segunda-feira, 1 de agosto de 2016

oficina de zine // museu afro brasil



Já é agosto e finalmente consegui começar a me preparar para as oficinas do projeto. Tem muita coisa ainda para ser feita, mas sinto que consegui dar um passo importante para a minha formação que foi a oficina de zines no Museu Afro Brasil. A Amanda, que trabalha no educativo, conheceu a Nega Preta, e nos conhecemos na exposição da Rosana Paulino, quando ela sugeriu que eu desse uma oficina. O tempo, esse safado, calhou dela me convidar para a oficina na semana seguinte a Distúrbio Feminino, quando voltei a produzir. Tive 3 dias para me preparar, e parte da mágica estava aí: eu precisei desdobrar o tempo (e o espaço, pensando que eu estava de mudança montada) para conseguir estar lá. Foi tão mágico que eu consegui, sem fritar de ansiedade. Ainda consegui um floral na quinta, foi uma semana bem amarrada. Mas eu estava cansada demais, então teve pouca organização e poucos registros. 
Nesse post fazer a retomada do processo e algumas das minhas percepções e perspectivas.

27/07 - quarta






A proposta de data era na sexta-feira, 29, às 12h, e acho que a emoção do último minuto falou mais alto e eu topei. Foi ótimo ter um objetivo, poder focar em algo. Como eu já estava na onda da semana anterior, cheia de zines novos e Negas Pretas dobradas, senti que tinha o que eu precisava e prontas nunca estamos mesmo, então só vai. Aproveitem a urgência de tudo pra retomar a minha agenda, consegui fazer tudo num tempo bacana, sem sofrer e nem deixar nada pelo caminho. Foi exaustivo, mas totalmente valeu a pena, sentimento de MANDEYBEIN acima de tudo. 
Eu não tinha certeza de como me preparar pra oficina em tão pouco tempo, então foquei em produzir o material que eu queria, que fosse um guia para que eu lembrasse de falar sobre todos os assuntos que acho importantes para se falar de zine. Apesar de não ter conseguido usar a zine como eu queria, foi bom tê-la pronta, acho legal que as pessoas possam levar algum material para servir de instiga pra casa. Também comecei a pensar recursos para dar condição de usar esse material. 



Na quarta feira eu fiz a frente de um a4. Comecei pensando um título, e aproveitei que gosto muito do formato de excesso de nomes, resolvi usar esse recurso - o que acabou ajudando muito no desenrolar da produção. Além disso, consegui deixar só os títulos que de alguma maneira fazem gancho sobre algo que eu gostaria de falar na zine. Uma das falhas dessa oficina foi não delimitar um tempo para que explorássemos conjuntamente a zine. 
Como queria achar uma dobradura diferente das que eu conheço, fui experimentando. Por conta da falta de tempo, eu já queria produzir tudo no formato escolhido pra evitar de precisar ir até a gráfica scanear e montar no photoshop. 



Decidi usar o maior número dos recursos que eu acho importantes e que coubessem no a4, para que ela funcionasse sozinha como um guia-instiga sobre produção de zines. Usei o acervo que tinha mais a mão em casa: revistas antigas, uns livros de medicina e biologia dos anos 80, piauí, manuais de instruções de eletrodomésticos antigos, um dicionário. Eu não tinha planejado como a zine seria, mas eu queria um lado só de recorte e cole (o outro, inicialmente, eu queria que fosse de prints, mas acabou que a pesquisa estava chata e redundante, faltou a espontaneidade que funciona bem tanto para os recortes quanto os prints, embora a ideia de uma zine de prints/ wpp tenha ficado mesmo na minha cabeça). 



Eu queria trabalhar com conceitos do dicionário por vários motivos: "zine" e "fanzine" não são verbetes, e a falta de definição é muito importante para que o estilo seja livre e as várias possibilidades estéticas, temáticas e de divulgação sejam tão amplamente apropriadas por muitos grupos urbanos. Além disso, é legal perceber as cagadas que estão escritas no dicionário e, assim, se tornam verdades, como "criar: tirar do nada". Partir do princípio que a criação vem do nada e quem cria algo viveu o mundo, aprendeu conceitos, experimentou arte, ciência, conceitos, enfim. Em algum momento do processo, decidi fazer uma criação a partir da cópia e da ressignificação, o que muito me agrada, afinal existe abundância e saturação de imagens, produções, propagandas no mundo. 
Estilisticamente, prefiro a sobrecarga de informação ao vazio, embora saiba que artista deixa bordas brancas e valoriza o objeto central entre outras coisas, eu curto a baratinação, a confusão, não saber pra onde olhar, a pancadinha no cérebro. Por isso, foquei a procura em: texturas e imagens de fundo, textos ou frases que trabalhassem direta ou indiretamente os assuntos dos verbetes recortados. Para as imagens, procurei os clichês, nesse momento eu ainda estava pensando em trabalhar com prints e queria explorar o conceito de meme. Um dos recursos que acredito ser muito interessante para zines é explorar essas imagens que repetidamente são usadas, para que seja um material mais universal, que não use linguagens específicas de certos grupos ou datadas.

Na oficina, eu gostaria de ter explorado mais o formato "manual de instruções", por dois motivos: 1. esse é um formato que é íntimo da maioria das pessoas, seja o manual que ensina a montar ou usar algum aparelho, seja o livro de receitas que ensina passo a passo a feitura de uma comida e 2. porque foi muito legal recortar os manuais que achei em casa, que geralmente viram lixo (assim que o equipamento funciona). É um uso inteligente de recurso barato. 

verso da zine

A mídia líquida era o gancho para falar sobre massificação midíática: os formatos engessados do que e como noticiar, a transmissão da informação que se pretende definitiva, verdade, absoluta, etc etc etc e como a zine, por não ter editor, não visar lucro, não ter um público com expectativas permite mais autonomia dos assuntos, não necessariamente chegar a um objetivo, não ter idéias definitivas e redondas. Traduzindo em miúdos, dá pra fazer o que quiser, como quiser, e difundir sem se importar com o efeito final. Mas acabou que as propagandas foram uma fonte de risos, achei legal corromper esse formato, sem a pretensão de soar verídico.



28/07 - quinta

Nanquim, sumi-e e sharpie sobre canson,
21 x 29,7cm
.
A frente da zine estava linda e empaquei com o verso. A idéia que parecia tão genial de fazer uma ziniprints se mostrou muito diferente do que eu tinha imaginado, e não sabia qual era a alternativa, até a maravilhosa Soso me dizer: faz um cartaz no versooooo, o que obviamente é um conselho de zineira que manja das parada. O cartaz no verso tem uma enorme utilidade prática: não é preciso coordenar os cortes da frente e do verso, e as impressões invertidas não impossibilitam o corte da zine. Definido que o verso seria um cartaz, foquei em produzir um desenho, que foi um autoretrato. A partir dele desenvolvi o verso, mais autoral que a frente, o que também é uma característica do meu trabalho. Usei papéis da minha coleção, desenhos que foram produzidos em outras situações, recortes botânicos, todo em preto, branco e vermelho, meu atual estudo de cores, com bastante coisa escrita a mão, explorando caligrafia, outra gama de recursos para zine que é a edição e curadoria dos seus próprios materiais, que permite um exercício de intimidade com "o artista". O Leonilson certamente é um referência nesse quesito, e acho que o Sidney Amaral está vindo a ser também.

Fiz dois carimbos de stencil, "ERRE ERREMAIS ERREI" e "CÓPIA É AFETO". Foi o cantinho total experimental da zine. Gostei do resultado, quero explorar como possibilidade.






Além disso, explorei nessa zine também a dedicatória. A Nega Preta tem 3 dedicatórias, mas porque foi mesmo feita para aquelas pessoas, era parte do processo de entendimento e aceitação da morte do meu avô. Essa é uma zine de trabalho, ao mesmo tempo que é uma zine que reúne aprendizados, discussão teórica, práticas de todo tipo. De novo eu citei a Silvana, que é a minha artista favorita e volta e meia me presenteia com uma perolinha de sabedoria, presumindo que as nossas estratégias de sobrevivência e acertos dentre os erros são também os nossos diálogos sobre arte. Não fosse Sirvana e suas sementes-pérolas, nunca haveria VAI. Lembrando o Leonilson que tem sido uma das chaves da minha pesquisa/delírio, o desvio pelo qual passo infinitas vezes, "às vezes eu acho que gosto das pessoas só pelo tanto que eu posso dedicar trabalhos a elas", e nesse exercício de cultivo, de preservar relações e gostar das pessoas, achei que era importante dedicar essa zine, que também é síntese e resultado de um processo, algo enorme transformado no simples. Essa zine é pros carneiro que estão longe. Essa zine é pro Bóris, que tem sido parceria e estímulo nesse processo de reconhecimento e criação da persona artista. Essa zine é pra Lauris, que veio me ver e eu não pude, nessa semana mesmo, e tem sido escuta e pé no chão, e tanta compreensão nesse abraço que ando me negando tanto. Essa zine é pra toda galera que devia voltar. É pra Soso pela companhia. É para D., pela inexistência e possibilidade de descoberta


29/07 - sexta

E às 11h eu estava no Museu Afro Brasil entre revistas maravilhosas, falando sobre como fazer uma zine. Foi uma experiência muito louca, fazer uma oficina para experimentar minhas habilidades. Testei a zine, e já pensei outras estratégias para usar melhor o material, o tempo, as habilidades das pessoas. Experimentar erros pode ser um bom jeito de aprender, afinal de contas, a fazer a parada.
O grupo era bem variado. Uma pessoa já tinha produzido zines, na adolescência, quando era do rolê punk. Todas as outras já haviam visto ou lido, em diferente situações: centro acadêmico, movimento sindical, militância feminista, movimento hip hop. Enquanto eu ouvia essas pessoas, pensei o quanto de material incrível já passou pelas minhas mãos e não existe mais, as zines que eu fiz sem nem saber que eram zines.
Apesar do tempo ser curto pra tanta coisa existir, teve uma empolgação generalizada e saíram várias produções incríveis.






Uma das dobraduras que eu ensinei foi o (que agora estou chamando de) caderninho de emergência ou caderny de estilete e cola. É a dobra que atravessa as folhas, mais uma capinha dura. Fiz duas capas: uma Alison Saar e uma Sidney Amaral. Agora já surgiram idéias até de fazer oficina de caderninhos, além da muy urgente zine sobre dobras para usar nas oficinas. Provavelmente esse formato do livrinho seja o mais legal pra essa zine. Voltando pra casa, vim lendo o catálogo da exposição O Banzo, o Amor e a Cozinha de Casa, do próprio Sidney. Enquanto eu balançava no metrô, caminhando os longos percursos em linha reta, ia me molhando daquelas palavras tão bonitas, de ideias tão escuras, emaranhadas de resistência, intimidade, procura por um lugar confortável. Percebo que, embora lento, o movimento de procura pela minha turma tem dado frutos, lentamente tenho ganhado espaço e experiência nisso que quero ser, o que quero viver. Ouço ele falar e penso em quantas narrativas que se complementam, enormes rios que jorram nos mesmos caminhos de solidão, procura. Vou costurando os aprendizados, respirando o tempo que já foi. Uma saudade histórica, uma procura de lugar, o exercício de voz.



Continua.

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