domingo, 2 de outubro de 2016

registro de deriva: pra onde vai minha atenção?


comecei no parque os espinhos das árvores as formas os contornos as curvas observando cada árvore cada detalhe como são lindas como são resistentes brigada migas por rexistirem nesse lugar tão uó vocês ahazam muito e o rio ah o rio todo sujo todo fedido tadinho todo cheio de lixos e toda a sorte ou o azar de coisas seguindo a correnteza me chama a atenção uma sacolinha plástica amarela seguindo o fluxo com a água cor de burro quando foge mas não consigo pegar o cel a tempo pra fazer um video um rio nunca é o mesmo rio e um rio numa cidade só piora sorte desse de ainda estar vivo sorte dele de conseguir ao menos ver a cor do céu e algumas árvores e passarinhos tantos outros por aqui não tiveram o mesmo destino "feliz" tantos outros foram soterrados sem dó nem piedade e tão presos embaixo dos nossos pés embaixo de trocentas camadas de concreto esse pelo menos tá "livre" só que não né mas é rio é força é fundamental valeu migo vc é muito importante pro mundo força aí que um dia essa fase ruim vai passar encontro os migos sentamos os quatro numa árvore pra trocar ideias informações estabelecer parcerias diálogos entre projetos momentos agradáveis tempos depois seguimos a vida pelo parque observo as pombas duas delas tão fofas de boas na viga de cimento em cima do rio penso em fotografar mas mudo de ideia pois penso que pombas em cima de vigas é algo tão comum pras pessoas que talvez a imagem não seja interessante mas nesse momento me bateu a atenção pras pombas e a partir daí comecei a observá-las meio que sem querer minha atenção caía sobre elas passamos por uma criança deitada no chão de concreto sendo criança apenas se movimentando de um jeito qualquer sempre tenho vontade de fazer igual mas só pra criança é permitido pq crianças não são levadas a sério aí tudo bem ficar brisando mais adiante uma oferenda pra cosme e damião atravessando a rua um varal de salgadinhos pipocas e amendoins compro dois amendoins e uma pipoca tudo por um e cinquenta pergunto se pode fotografar o varal ele todo temeroso mas gentil rapidamente responde que não pois ele não pode estar ali com esses produtos um cara passa e pergunta pra ele como faz pra carregar bilhete único ele responde que carrega no bolso mesmo me despeço ganho mais uma pipoca continuo observando e tentando filmar as pombas elas são tão lindas tão de boas mas pássaros são criaturas tão ariscas quando outras existências esboçam movimentos de se aproximar eles já fogem bem que fazem tão certos passei um bom tempo tentando me aproximar das pombas e vez ou outra de alguns outros passarinhos coloridos que apareciam mas esses são mais ariscos ainda faço alguns videos que talvez não sejam interessantes pras pessoas pois são só pombas meio de longe andando nas vigas da ponte mas eu gosto e o olhar é meu e o afeto é meu então resolvi fazer porque isso aqui é também sobre o que nos afeta pra onde a gente olha pra onde vai a nossa atenção continuo o trajeto e então surgem os pés de amora algumas no chão gosto do chão olho muito pro chão muitas amoras no chão elas caem e tingem muitas manchas roxas de ex amoras que habitaram esse chão são lindas elas no pé e a imagem esmagada delas no chão é tão linda quanto trágica agora são as amoras esmagadas que me distraem e fico ali durante um bom tempo observando e fotografando as amoras esmagadas as mais recentes molhadas brilhosas mucosas sangue fresco as mais antigas já secas já desaparecendo definhando e as manchas que elas deixam de rastro depois de tudo observo também as flores secas no chão o chão é lindo não consigo parar de me admirar com cada detalhe do chão até com os lixos ah os lixos observo um por um eles não são lindos são sintomáticos a imagem deles é forte as tampinhas de garrafa embalagens bitucas quanto lixo em todos os lugares compõem junto a paisagem um cara sentado vendo o movimento dos carros insanos na avenida me chama e me mostra que mais adiante tem muito mais pés de amora vou seguindo encontro famílias colhendo amoras crianças avós o neto que sobe e chacoalha o pé pra gente pegar as amoras que caem no chão como são frágeis uma queda pode machucar caem muitas a maioria fica ali mesmo no chão salvo algumas as senhoras com potinhos pra guardar as amoras as amoras no asfalto os carros passando sem trégua os passarinhos cantando sigo adiante sinto que é hora de sair do mato de derivar na cidade sigo sem conseguir parar de me admirar com o chão vejo em cada rachadura um universo em cada verde que nasce entre o concreto uma esperança é ridículo mas é bonita essa imagem vejo rios raios raízes crateras superfícies lunares vistas de satélite olhos de et a maneira como as cores dialogam com os traços os ruídos  nas calçadas partidas as árvores sobrevivendo buscando espaço pra que suas raízes possam respirar uns caras sentados numa mesa dentro de um restaurante me chamam e pedem pra que eu tire uma foto deles sigo adiante sendo guiada pelas distrações os troncos das árvores estou na cidade agora mas o mato ainda me chama os troncos um cactus imponente com brotinhos no topo as águas de coco no cercadinho paro no local das águas de coco gostei do lugar as paredes verde e roxas os salgadinhos lucky no varal parece um lugar na beira da praia de cidade pequena o cara que trabalha lá sentado numa mesa olhando a vista que poderia bem ser o mar mas era a avenida onde os carros não param de passar nem por um segundo tem uma árvore enorme na frente do local o tronco dela é tão cheio de detalhes e belezas e dores ela é muito grande o concreto a sufoca tem pregos nela será que ela sente tem o telhado sigo adiante um paredão laranja com uma porta laranja e uma suposta ex porta laranja ao lado mais águas de coco entro na rua das águas de coco os portões grávidos o cachorro manco decido que a partir de agora o cão será meu guia onde ele for eu irei seguimos os cães nas casas latindo muito talvez pelo desejo dessa liberdade sobe desce curva cocô uma kombi simples um cara dentro com uma roupa colorida produtos de limpeza o cachorro me levou até o cara o mesmo que falávamos na reunião na árvore que dizias que querias acompanhá-los um dia o cara dos ovos esse cara algum desses mas que nunca tinha dado tempo de chegar até eles quando eles passavam lá esse é o cara que circula pelo bairro vendendo produtos de limpeza multicoloridos pra senhoras donas de casa jovens adultos falando no megafone paro pra trocar uma ideia com o cara ele é ótimo combinamos de um dia acompanhar o trajeto filmando.