segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Webdoc, imersões e expansão de horizontes

Nessas de me inscrever em tudo que aparece, acabei caindo no Hackathon WebDoc Novo Centro do estúdio Crua. Foi uma surpresa sem tamanho ver meu nome na lista de selecionados, e outra surpresa maior ainda me ver ali, analógica e autônoma, no meio de um monte de profissionais do audiovisual, mestres, doutores e a coisa toda. A proposta era "simples": 16 profissionais criarem um webdoc sobre o centro novo em 6 dias.
Parecia ótimo, mesmo sem nem saber o que raios é um webdoc. Foram várias emoções fortíssimas, uma experiência que não só alargou os horizontes de possibilidades para vários projetos, Trajetos incluso, mas afetou meu corpo, minha disposição, os meus olhos para o centro de sp, já tão cansado nas minhas retinas. Processos imersivos são maravilhosos, adoraria ter uma experiência assim por trimestre (tá jogado pro universo!).
Exercício contínuo de registro de processo, sinto muito não ter conseguido fazer isso em audiovisual. A partir das anotações feitas durante os dias de processo, busquei organizar aqui as referências e ideias gerais apreendidas durante o curso.

Referências

WEBDOCS


Plataformas


Bibliografia




Comofas WEBDOC

  • ***NÃO SE APEGUE MUITO ÀS IDEIAS***
  • a história é o mais importante
  • material para internet, utiliza ferramentas disponíveis apenas online
  • questões urgentes/ direitos humanos/ documental/ patrimônio/ memória
  • novas abordagens
    • design/ plataforma como expansão de informação/ fluidez
    • roteiro não linear
  • mudança de paradigma: o consumidor também é produtor
  • take action: como o público pode se envolver
  • para criar fluxo para a web é preciso contato direto e envolver personagens
  • diálogos com a comunidade
  • a partir do tema, abrem-se as possibilidades de abordagem e coleta de material 
  • o tema central desdobra-se em subtextos
  • categorização de informações: permite diferentes narrativas
  • guiar navegação: que o site seja intuitivo e autoexplicativo
  • mesma id. visual para todas as plataformas: coesão entre diferente formatos/ adaptação de linguagens/ como atingir diferentes públicos
  • hierarquia de menus
  • indicar quais caminhos já foram seguidos (menu linear)
  • a interface e as opções de caminho: usabilidade
  • taguear os materiais para saber onde/ como usá-los na interface
  • ambiência sonora
Linhas gerais
  • digital storytelling: como a história será interativa
  • desenvolvimento: ferramentas e plataformas
  • digital design: id. visual, iconografia, usabilidade, elementos gráficos
  • UX: projeto/ ferramentas/ hierarquias de informação
    • wireframes (rascunho de estrutura)
    • mapa de navegação (importância/ caminhos): tags, ícones
    • design de interação
  • tema/ problemática/ equipe/ período/ atuação/ conteúdo
Pensando o Centro
  • processos de remoção dos elementos negros do centro - e os movimentos de resistência
  • Tebas, construtor negro alforriado
  • coletivos de catadores e estruturas femininas
  • Vale do Anhangabaú: fonteira entre centros novo e velho
  • pólo de lixo, concentração de população de rua, equipamentos públicos de saúde e cuidados

domingo, 3 de dezembro de 2017

Diário de bordo de Caio Jade #2

03/12/2017

“Somos (...) imortais mesmo que em memórias esquecidas” - Baco Exu do Blues.

Quando eu nasci, ela já era velha. Carregado pra dentro da casa, nos teus braços de imperatriz, eu pequeno soldado; “essa é a tua casa. seja bem-vinda, Jade”. Ela cuidou de mim, cuida. Nas orações, no pensamento, no dinheiro da pensão do marido, avô falecido logo antes do meu nascimento, mecânico (sempre asseando as unhas e dedos pra não ficar cheio de graxa), ela me mira e olha e me aceita, eu assim menino aos 25 anos de idade. “Agora é filho então? meu Cainho, meu Caio. Vai ser pra sempre minha Jadinha”. Toda doçura, mimo e amor de vó. Avó é fundamento, é a ponte pro mundo onde aprendo o que pode ser a responsabilidade, a honra e a gratidão; viver no mundo se torna um pouco mais fácil quando passo a ouvir o que os mais velhos têm a nos dizer; agora eu entendo. Ela deu sua vida aos outros. Magrinha e fraquinha, agora é ela quem pede por carinho, mimo, atenção quase total. É a demanda da velhice, essa segunda infância, mas plena de experiência; é corpo que transborda não mais de potência, como nos pequenos, mas de plenitude e realização de si mundo. Ali o desejo ainda pulsa, nunca para; remói, remonta e atualiza, busca caminhos possíveis, busca suportar o presente de velhice e de impossibilidade motora, impossibilidade de bem estar emocional atual. Helen Puosso Cardoso Gouveia. Algumas filhas invejam o Puosso quem não têm no nome, outras se gabam por ter. Menina pobre do interior do estado de São Paulo, Birigui. Conheceu a fome, a mudança pra capital aos 9 anos de idade pra servir de empregada doméstica em troca de casa e comida a uma família. Filha de imigrantes italianos. Helen é fundamento, estrutura e assentamento. Firme de fé na Congregação Cristã do Brasil. Nascida em 1926 no dia 6 de dezembro, sagitariana. Em três dias, completará 91 anos. Minha avó, minha ancestralidade.


(...)


Tenho 25 anos, desses, 24 foram vividos impostos dentro de uma pele de cordeiro cisgênero e feminino. Criado como princesa, loiro, branco e de olhos claros, cabelos lisos, diferentes dos da mãe, comportamentos masculinos, mais masculinos que os da mãe -  bastante masculina para os padrões de uma mulher. Criança e adolescente que rompeu fronteiras da cisgeneridade, Trans então, como se diz. Queria dizer da sensação que é ter a si mesmo meio tarde, já não tão cedo quanto alguns podem ter. Perder uma família e conquistar uma nova mesma família na vida adulta. Hoje eu sou quem eu sempre quis ser e sou aos poucos reconhecido por eles. Tão tarde os conquisto e me vejo então em História e neles, como parte genética e histórica daqueles corpos tão vivos quanto eu, tão cedo percebo a possibilidade de perdê-los para o Tempo. Minha avó anda se encaminhando pro descanso disso tudo aqui. Me lembro da morte e dos anos que passei tão próximo a ela, ideando diariamente meu próprio fim. Três anos, então. Na lateral da coxa agora a dor e a libertação de todo mal passado. O sol que se abre, o vento que entra, o futuro possível. Me recordo da vida única, diferente de tudo que já provei, no beijo de língua em uma mulher de 80 anos de idade em uma cadeira de rodas performando sua própria morte - para fugir dela. Me recordo das mulheres velhas que me rodeiam e das quais agora me afasto em gênero, me constituindo como alteridade. Recordo as canções de Caetano, Chico, Elis, Milton, Luis Armstrong, Bob Dylan, Mercedez Sosa que me fizeram o berço. Eu leãozinho ninado pelo embalo com tapinhas de minha mãe. Jorra tudo agora diante da preparação da leoa mais velha que logo caminhará em direção ao Sol, se distanciando da nossa manada, deixando nas nossas mãos a grande responsabilidade de dar continuidade ao seu legado de amor e de cuidar das nossas vidas por nós próprios, zelando nossos futuros.



                                    À Helen Puosso, fundamento e firmamento,
                                                           avó, mãe e esposa.

Pelos curranchinhos de galinha chupados, pelos novelas assistidas, pelo dramático jeito de se sentir no mundo; pela fé inabalável, pelo conhecimento firme de que a gente nunca anda só quando tem fé no coração.

domingo, 19 de novembro de 2017

Produção do livro independente

Oficina realizada de outubro a dezembro de 2017 com Fábio Mariano, na Oficina Cultural Oswald de Andrade.

Referências:
Livro arte
Laura Teixeira. Livros de imagens, oficinas de ilustração.
Poemóbiles, de Augusto de Campos de Julio Plaza. Livro objeto.
Boris Fatigati. Produção de livros acessíveis.
Adele Outteridge. Livros objetos criados com material reciclados.

Produção de livros
Aldo Manuzio: editor tipógrafo, livreiro.
Robert Bringhurst. Elementos do estilo tipográfico.
Milton Ribeiro. Planejamento visual gráfico.

Literatura
Celina CAstro. Santos de vento.

Papéis
Distribuidora VSP
Papel manilha ou capagê

Programas
Publisher do programa office


Registro de longo trajeto

Trajetos celulares, antes de um projeto, é um desafio artístico. Cerca de oito meses dedicados à aprender algo que é subjetivo, que não tem uma forma específica, um processo individual e também comunitário, construído como uma colcha de retalhos. Ás vezes, só depois do começo (ou do fim) de uma experiência posso perceber como tudo está interligado e compondo o sonho de me tornar uma artista melhor e mais consciente da minha própria criação. Como objeto final dessa experiência, temos uma websérie e quatro livros artesanais, e é sobre a produção impressa que tenho dedicado minhas pesquisas.

Em 2016, primeiro ano do projeto, as ideias ainda estavam cruas e sem forma, e ao longo dos quase 10 meses que pudemos nos dedicar a dar corpo físico e virtual à uma ideia escrita. Parte desse processo foi a produção de zines, publicações independentes pequenas e de baixo custo, com formatos que desafiam o leitor e proporcionam novas experiências de acessar literatura e imagem. Essa produção intensa deu margem à criação do selo Móri Zines, que também foi um passo em direção a profissionalização e difusão da produção do Chakumbolo (hoje formado por Caio Jade, Nubia Abe e eu, Luara Erremays). Sobretudo ao participar de feiras de publicação, pude perceber o impacto das nossas criações nas pessoas que interagem conosco. Mais do que isso, pude perceber que o contato com literatura e produções marginais, com temáticas que tocam os afetos, gera influência criativa em pessoas que não se sentem artistas e produtores de cultura, por não acessarem o mainstream.
Feira Dente, Brasília, março de 2017.
Estimulada pela oficinas oferecidas no Clube Escola Tiquatira, surgiu o Rexistências Fantásticas, oficina realizada em 7 encontros no Centro de Cidadania LGBT Arouche, em comemoração ao Mês da Visibilidade Lésbica. Nesse ciclo de oficinas, as participantes foram estimuladas a criar uma zine a partir da sua experiência de vida. Foi da maior importância estimular a escuta e a contação de histórias pessoais e íntimas como exercício criativo, e o processo de tornar a verbalização em produto impresso. Vários foram os recursos utilizados, e o trabalho ficou belíssimo. Foi uma dos desenvolvimentos profissionais proporcionados pelo programa VAI.

O curso Produção Gráfica, realizado no Senai Theobaldo de Nigri também financiado pelo VAI, foi fundamental para criar uma noção maior das possibilidades que a indústria gráfica oferece, além de conhecer ferramentas e programas importantes para a criação desses materiais de forma profissional. O contato com as máquinas - das mais antigas e manuais às mais modernas e tecnológicas, o manuseio de papéis, tintas e técnicas de enobrecimento ampliaram a visão restrita que ainda me parecia o todo: além da sulfite e do canson existe larga pesquisa em materiais visando resultados diferentes, incríveis. Ficou evidente também a necessidade de buscar conhecimento institucional a fim de poder criar além das minhas limitações de acessibilidade à tecnologias.

No projeto aprovado em 2017, o lugar confortável que foi construído no contexto das zines precisa ser revisitado com o objetivo de obter ferramentas e habilidades para desenvolver e imprimir livros, formato mais complexo e mais elaborado de publicação. Diferente da zine, que me instigou desejos de experienciar a produção pela minha própria investigação, os livros me fizeram procurar pelo aprendizado e a expansão de habilidades gráficas.

Em primeiro lugar, acredito que frequentar a Folhateria do CCSP, ateliê aberto de xilogravura e serigrafia, me possibilitou conhecer outras formas de impressões alternativas, que se apresentam como formas mais ricas de criar imagens em sequência. Ao longo de 2017 experimentei transformar ilustrações em matrizes de gravura, além de pesquisa sobre tintas, sobreposições e produção em série.

Foi nesse espaço que em outubro comecei o curso Bestiário e códice: o monstro na narrativa gráfica, com Helena Ariano. A partir de técnicas de linoleogravura, o grupo foi estimulado a criar um monstro para compor um bestiário, catálogo de monstros que eram usualmente impressos em gravura na Idade Média europeia. A aproximação com a xilo e a necessidade de me dedicar a uma pesquisa específica, monstros, desenvolveu habilidades como a procura por referências, experimentação de materiais sobre um mesmo tema e desenvolvimento de caderno de estudos. O curso acontecerá até dezembro.

Outro curso, Produção de Livro Independente, iniciado do ateliê de gravura e tipografia da casa de cultura Oswald Andrade com Fábio Mariano tem sido fundamental para começar a dar corpo aos projetos de livros artesanais. O objetivo é criar narrativa, forma e reprodução com recursos analógicos. Desde a criação de margens até escolha de fontes, ilustrações e criação de texto como experiência visual. O curso acontecerá até dezembro.

Sobre as maiores dificuldades de produção, certamente uma das principais é a dificuldade em agrupar de forma eficiente as referências pesquisadas como material de registro de processo. Fica ainda mais forte a necessidade de investigar plataformas virtuais e como usá-las de maneira acessível.

Conhecer idosas, reconhecer caminhos

Numa dessas tardes quentes que fez no nosso inverno, estava voltando para casa meio seca depois de encharcada de chuva atravessar a cidade pelo subterrâneo, levava na bolsa um conjunto de gouaches que me prometiam felicidades mil, e as frutas de dois reais a bacia que o moço vende na saída do metrô. Sempre que posso compro dele. Nunca pedi desconto, ele por sua vez me oferece uma bandeja a mais por metade do preço quase sempre; de sexta ele leva o aparelho de som, que toca reggae e brilha cheio de leds.
Naquele dia, o último lugar vazio era do lado dela. Me disse quais eram as suas frutas favoritas, os pés de planta que tinha no seu quintal, que suco era bom pra cada coisa. Disse que antes só tomava suco Tang e o médico proibiu, daí começou a fazer suco em casa mesmo. E não é só de laranja, não: de pepino, couve, manga, acerola. "Até de babosa dá pra fazer suco, sabia?". Agora nunca deixa de tomar os remédios, mas sabe que os sucos fazem muito bem, e se não fossem eles não teria a saúde que tem.
Me passou seu endereço, me disse para visitá-la com frutas, para a gente conversar e tomar sucos.

***

Enrolei o dia todo para ir ao mercado, e quando saio de casa já passa das 21h30, minha avó não gosta. Vou chegando ao mercado com o passo acelerado, subo a rampa desligada e quando estou quase no topo, percebo aquela senhorinha que não se aguenta em pé. Ofereço meu braço e companhia rampa abaixo, ela diz: "quero sim, hoje tô com as vertige".
Vai me contando, passinho de cada vez, que veio da Amador Bueno pra encontrar o sobrinho, mas ele deu o bolo. Depois de uma certa hora, fecha a saída de pedestres do mercado 24h, temos que entrar e sair pelo estacionamento. Os carros parecem não nos ver, vão tirando finas da dona Tininha que sentencia: "Melhor mesmo é ir pela rua que eles não vão ter coragem de passar por cima". Desiste de esperar o sobrinho, e a acompanho até o ponto de ônibus. Ela insiste que é velha, que pode ir sozinha e minha avó me espera em casa.
Me despeço, ela me abraça com os braços envolta do meu pescoço. Pergunta: "você acredita em trevo de quatro folhas?" digo que sim, ela abre a pochete, tira um saquinho e diz: "pega um aqui. Você bota ele num saquinho dentro da carteira". Pergunto se ela tem telefone: "o meu eu não lembro não, mas é só ligar no segundo batalhão [da PM] e perguntar pela Ti-ni-nha. Todo mundo me conhece lá".

***

Tenho aproveitado as tardes existenciais e a internet sem limites para ouvir videos motivacionais no Youtube. Uma mensagem que tem se repetido é a seguinte: "o que você busca está buscando por você". Às vezes me pego idealizando o objeto da minha procura quando sei que só é necessário abrir os olhos e ouvidos para as pistas que os caminhos dão, e desde o começo desse projeto, em 2016, aprendi a abrir minha percepção para mulheres idosas, suas preocupações e ensinamentos. Sejam sucos, trevos de quatro folhas ou a importância da fé em Deus. Pouco importa qual é a narrativa, mas importa que elas narrem, tenham vontade de falar, e que se proponham a abrir suas vidas e saberes a uma estranha no caminho, alterando meu corpo no mundo, trajetos celulares.









sábado, 21 de outubro de 2017

Diário de bordo de Caio Jade

“Somos (...) imortais mesmo que em memórias esquecidas”
(“Oração à vitória” - Baco Exu do Blues)


Foi há poucos anos, e não poderia ser diferente dada minha pouca idade, que tomei consciência do que poderia ser a História, as Ancestralidades. Enquanto caminhava em uma rua de Santo Amaro, em São Paulo, percebi que os passos que eu dava, onde eles cortavam e cruzavam com meu corpo presente, muitos outros seres e histórias já haviam caminhado; percebi que o presente é prenhe de muito passado e experiência, como se o tempo e o espaço fossem feitos de diversas camadas que podemos acessar indiretamente, nas teias do inconsciente, nas percepções largas menos racionais. Memória talvez seja uma tecitura, talvez tenha mais a ver com fiandeiras do que com coleções de álbuns de fotografias guardados em gavetas; talvez ela se esconda, poética, em detalhes quase esquecidos nas poeiras do cotidiano, ou talvez ela se revele viva e ativa nas falas repetidas e persistentes daqueles e daquelas já velhos e velhas que deslocam o real ficcionando outros mundos possíveis com os quais a civilização não quis que nós nos acostumássemos; a juventude é impaciente com a velhice, talvez porque não entenda a poesia da subjetividade daqueles que já marcaram muita terra com os pés, e os rostos com o vento.
Noto nos meus risos, nas minhas lágrimas, uma fome de vida que por anos não foi possível. Olho aqueles e aquelas que se preparam para partir desse mundo e noto a mesma fome brilhando em seus olhos. Talvez a gente nunca desista, talvez a vida seja luta até o último instante. Na infância, na juventude ou na velhice, parte de nós é bicho insaciável que pulsa e sonha vencer a morte; entre desejos e cansaços, nos fazemos imortais.
Caminho pelas ruas, pelos bairros, pelos Estados do Brasil; o fio do corpo fura, corta, se entrelaça com outras tantas milhares inimagináveis malhas de Histórias. Tecidos de sentidos, de sensações, me trazem a certeza de que aquilo e aqueles que parecem miúdos precisam ser ouvidos, que é só a escuta que pode mudar o rumo das coisas e diminuir as desigualdades. A escuta pode nos levar às camadas do que já foi, do que compõe aquilo que agora é. Escuta ativa, participante, como uma fiandeira sentada ao lado da outra em uma fábrica em São Paulo no início do Século XX, como minha avó e sua irmã.

Memória é aquilo que nos veste, nos protege, nos configura, dá forma, prepara quem nós somos e para onde vamos. É presença grávida de passado, sem ser linear. É arbitrária, interpretação ao gosto das paixões, se forja em ringues no inconsciente onde não controlamos nada. Eu gosto é do que chega, do que colocam no mundo. Gosto de ouvir minha vó contando tudo que quer, ver sua fala puxando os ânimos e o resto do seu corpo magro e cheio de dores em gestos. Não tem nada a ver com realidade ou ficção, verdade ou mentira, ou com proximidade com fatos, é o melhor do teatro, como é com todo mundo - em qualquer idade -, é liberdade e subjetividade, precisa ser escutado e acolhido. Seria esse, então, um milagre na poeira do cotidiano, uma história lançada ao vento, ao mar, esquecida entre os fios do destino e que, já não mais fazendo parte do nosso consciente, vai ser parte da nossa imortalidade. Nunca me esqueço do ato epifânico da Maude, no filme “Harold and Maude” do ano de 1971 - brilhantemente traduzido como “Ensina-me a viver”, onde a senhora, já velha, ao receber um presente carinhoso do jovem por quem se enamorara, lança-o ao mar dizendo “agora sempre saberei onde ele está”.

terça-feira, 13 de junho de 2017

Retomada, recomeço, refazendo tudo

O ano já anda pela metade e sinto agora os primeiros respiros de um novo ciclo. É engraçado olhar para os meus pés e perceber que tem sido poucos os caminhos que posso trilhar, e que um ano depois ainda estou batendo a areia sob meus pés, repetindo ciclos que já vivi, já sei pronde vão e lá vou eu em meu eu oval, rolando vida afora ladeira abaixo.
Estou ouvindo a vhvl e tem esses lances de se identificar muito com alguém de uma maneira tão entregue, que sobra menos tempo pra criticar e ficar achando problema aonde não tem. Ficar vendo a menina lá longe, sendo nova, se crescendo e espalhando num som muito novo e raro; mas também a lentidão dos processos em comparação com os boys amigossonnoros ao redor, então me vejo, eu mesminha, respirando meus tempos tão lentamente enquanto tudo me diz que é pra já, que já está sendo. Percebo esse tempo idade âncora que conforme passa, acrescenta gravidades às escolhas, e de repente passarinho já virou galinha que é metade dinossauro. 
Impossível não pensar que o dito tempo improdutivo que passei e me incita os anseios, era um respiro tão curto nessa terra dura. O que deveria ser rotina, prática, nem precisaria ser citado! mas ocupa dias noites semanas meses tempo enrolado em novelo para apenas gostar de viver eu mesma. É tão difícil saber que existe um mundo exterior real quando aqui dentro são abismos infinitos, muito ar que falta na imensidão. Preciso aprender a mimar quem dorme comigo toda noite, que me abraça, que me mima e tantas vezes odeio, desprezo, maltrato. É preciso ser meu próprio carinho e lugar seguro.
Embora ainda não saiba onde mora esse segredo, tenho pensado e querido cultivar a paciência, apaziguar essa fúria de querer tudo para já ou nunca. Sinto falta dos meus óculos. Labirintos. Outra escolha têm sido as retomadas, passar de novo por caminhos e andar as geografias conhecidas, dar-se tempo de aprender passados. Editar o que existe, nem tudo que é novo é criação.

***

Estou, como sempre, nadando num mar de muitas incertezas e tenho tentado achar um emprego, preciso fazer umas granas mais ou menos certa e regular, pagar umas contas, aparar umas arestas que andam me magoando. 
Estou trabalhando seriamente em montar um currículo e portfólios vagamente aceitáveis. Não é um trabalho fácil. Tantas vezes passo por esse caminho, poucas vezes com algum resultado que me agrada. Casa com isso a tentativa de voltar a passar pelas coisas, editar trabalhos, retomar planos parados, ao invés dessa busca incessante pelo novo, sem dar tempo de amadurecer nenhum processo. Ficar com tantos processos mentais sem realizar as coisas, quando só precisava estar realizando uma ou duas pra ter mais vazão energia, tempo, vontade. 
Estou trabalhando nos caderninhos: digitalizar e postar os processos brutos, além de transformar numa publicação sobre a minha experiência de deslocamentos em SP. Isso é um dos pontos tensionados da minha vida: porque sabotar tudo o que começo? Preciso desenrolar a Móri Impressões com amor, dar fim ao trabalho começado, adquirir experiências para o trabalho vindouro. 
Além disso tenho visto pessoas, conhecido gente bacana, indo a novos lugares. Tem sido bom respirar outra cidade, e desejos para o futuro começam a borbulhar. Aprender outras maneiras de experimentar a cidade, e retomar as que já funcionaram antes e podem continuar funcionando agora. Estou sentindo uma energia que andava ausente, mas ainda falta um ponto para recarregar as energias, que certamente é fora, outs. Onde? É preciso procurar. 




quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Oficina de zine - 05fev

A segunda oficina oferecida pelo projeto, sendo a primeira com o tema zine. A princípio, seriam 4 dias de oficinas, divididas em dois momentos: caminhada fotográfica e produção de zines. Com o avanço das pesquisas e a percepção das dinâmicas de tempo, optamos por explorar apenas um tema em cada encontro, sendo duas de fotografia e vídeo no celular, oferecidas por Nubia Abe e duas de zine e publicações independentes, oferecidas por Luara de Almeida.


O intuito foi criar um pequeno ateliê de criação, disponibilizando zines para leitura e consulta, material para desenho e colagem, além de máquina de escrever, impressora e xerox, recursos que foram usados com entusiasmo pelos participantes. O espaço, colorido e bem iluminado, foi convidativo, bem como ter um balcão com alimentos e bebidas. O programa previa um momento para comermos juntos, num pique-nique, mas percebemos que os adultos, em sua maioria responsáveis pelas crianças, se reuniram ao redor do café, criando um outro espaço de intimidades, no qual conversamos, conhecemos histórias e compartilhamos os quitutes, que ocasionou maior liberdade para as crianças interagirem entre si e com as participantes.



A maior dificuldade encontrada foi o quesito divulgação. Uma das estratégias que encontramos foi a inscrição por WhatsApp, e criação de grupos para discutir as temáticas a serem abordadas nas oficinas. Apesar de ter sido veiculada nas redes sociais (Facebook e Instagram), além de cartazes espalhados pela vizinhança, a maior parte do público era composta de pessoas que estavam passando pelo parque durante a atividade e foram convidadas a fazer parte do grupo. Diversas pessoas passaram pelo espaço, sendo que onze delas produziram materiais – em sua maioria crianças. Também por serem grupos espontâneos, surgiu a dificuldade de oferecer uma oficina única e linear; ao invés disso, cada grupo foi recebido pelas integrantes do coletivo, estimulados a produzir individualmente.


A série “O guia definitivo da zine”, criada com o intuito de ser material de apoio para as discussões nas oficinas se tornou uma “lembrancinha”, juntamente com outras zines produzidas durante o projeto. A dinâmica dos grupos não propiciou a discussão teórica, mas creio que em nada diminuiu o valor das produções.
                    

O resultado da oficina foram 11 materiais produzidos, entre colagens, ilustrações e zines. Sobretudo, acredito que o intuito do projeto, de cartografar afetos se fez presente durante as discussões, as conversas compartilhadas, as diversas histórias de pessoas que vieram de longe, como Ferraz de Vasconcelos, as famílias que vão ao parque todo final de semana, conhecer pela narração da sobrinha a história das tias, que querem ser escritora e veterinária, as trajetórias de Dona Ana, que gosta de melão japonês, o ciclista que tem duas filhas felinas e fez uma zine de reconciliação para a esposa. Novamente, nos encontramos num lugar de convergência de histórias, compartilhamento de intimidades, cartografia afetiva.