Numa dessas tardes quentes que fez no nosso inverno, estava voltando para casa meio seca depois de encharcada de chuva atravessar a cidade pelo subterrâneo, levava na bolsa um conjunto de gouaches que me prometiam felicidades mil, e as frutas de dois reais a bacia que o moço vende na saída do metrô. Sempre que posso compro dele. Nunca pedi desconto, ele por sua vez me oferece uma bandeja a mais por metade do preço quase sempre; de sexta ele leva o aparelho de som, que toca reggae e brilha cheio de leds.
Naquele dia, o último lugar vazio era do lado dela. Me disse quais eram as suas frutas favoritas, os pés de planta que tinha no seu quintal, que suco era bom pra cada coisa. Disse que antes só tomava suco Tang e o médico proibiu, daí começou a fazer suco em casa mesmo. E não é só de laranja, não: de pepino, couve, manga, acerola. "Até de babosa dá pra fazer suco, sabia?". Agora nunca deixa de tomar os remédios, mas sabe que os sucos fazem muito bem, e se não fossem eles não teria a saúde que tem.
Me passou seu endereço, me disse para visitá-la com frutas, para a gente conversar e tomar sucos.
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Enrolei o dia todo para ir ao mercado, e quando saio de casa já passa das 21h30, minha avó não gosta. Vou chegando ao mercado com o passo acelerado, subo a rampa desligada e quando estou quase no topo, percebo aquela senhorinha que não se aguenta em pé. Ofereço meu braço e companhia rampa abaixo, ela diz: "quero sim, hoje tô com as vertige".
Vai me contando, passinho de cada vez, que veio da Amador Bueno pra encontrar o sobrinho, mas ele deu o bolo. Depois de uma certa hora, fecha a saída de pedestres do mercado 24h, temos que entrar e sair pelo estacionamento. Os carros parecem não nos ver, vão tirando finas da dona Tininha que sentencia: "Melhor mesmo é ir pela rua que eles não vão ter coragem de passar por cima". Desiste de esperar o sobrinho, e a acompanho até o ponto de ônibus. Ela insiste que é velha, que pode ir sozinha e minha avó me espera em casa.
Me despeço, ela me abraça com os braços envolta do meu pescoço. Pergunta: "você acredita em trevo de quatro folhas?" digo que sim, ela abre a pochete, tira um saquinho e diz: "pega um aqui. Você bota ele num saquinho dentro da carteira". Pergunto se ela tem telefone: "o meu eu não lembro não, mas é só ligar no segundo batalhão [da PM] e perguntar pela Ti-ni-nha. Todo mundo me conhece lá".
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Tenho aproveitado as tardes existenciais e a internet sem limites para ouvir videos motivacionais no Youtube. Uma mensagem que tem se repetido é a seguinte: "o que você busca está buscando por você". Às vezes me pego idealizando o objeto da minha procura quando sei que só é necessário abrir os olhos e ouvidos para as pistas que os caminhos dão, e desde o começo desse projeto, em 2016, aprendi a abrir minha percepção para mulheres idosas, suas preocupações e ensinamentos. Sejam sucos, trevos de quatro folhas ou a importância da fé em Deus. Pouco importa qual é a narrativa, mas importa que elas narrem, tenham vontade de falar, e que se proponham a abrir suas vidas e saberes a uma estranha no caminho, alterando meu corpo no mundo, trajetos celulares.
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