segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Webdoc, imersões e expansão de horizontes

Nessas de me inscrever em tudo que aparece, acabei caindo no Hackathon WebDoc Novo Centro do estúdio Crua. Foi uma surpresa sem tamanho ver meu nome na lista de selecionados, e outra surpresa maior ainda me ver ali, analógica e autônoma, no meio de um monte de profissionais do audiovisual, mestres, doutores e a coisa toda. A proposta era "simples": 16 profissionais criarem um webdoc sobre o centro novo em 6 dias.
Parecia ótimo, mesmo sem nem saber o que raios é um webdoc. Foram várias emoções fortíssimas, uma experiência que não só alargou os horizontes de possibilidades para vários projetos, Trajetos incluso, mas afetou meu corpo, minha disposição, os meus olhos para o centro de sp, já tão cansado nas minhas retinas. Processos imersivos são maravilhosos, adoraria ter uma experiência assim por trimestre (tá jogado pro universo!).
Exercício contínuo de registro de processo, sinto muito não ter conseguido fazer isso em audiovisual. A partir das anotações feitas durante os dias de processo, busquei organizar aqui as referências e ideias gerais apreendidas durante o curso.

Referências

WEBDOCS


Plataformas


Bibliografia




Comofas WEBDOC

  • ***NÃO SE APEGUE MUITO ÀS IDEIAS***
  • a história é o mais importante
  • material para internet, utiliza ferramentas disponíveis apenas online
  • questões urgentes/ direitos humanos/ documental/ patrimônio/ memória
  • novas abordagens
    • design/ plataforma como expansão de informação/ fluidez
    • roteiro não linear
  • mudança de paradigma: o consumidor também é produtor
  • take action: como o público pode se envolver
  • para criar fluxo para a web é preciso contato direto e envolver personagens
  • diálogos com a comunidade
  • a partir do tema, abrem-se as possibilidades de abordagem e coleta de material 
  • o tema central desdobra-se em subtextos
  • categorização de informações: permite diferentes narrativas
  • guiar navegação: que o site seja intuitivo e autoexplicativo
  • mesma id. visual para todas as plataformas: coesão entre diferente formatos/ adaptação de linguagens/ como atingir diferentes públicos
  • hierarquia de menus
  • indicar quais caminhos já foram seguidos (menu linear)
  • a interface e as opções de caminho: usabilidade
  • taguear os materiais para saber onde/ como usá-los na interface
  • ambiência sonora
Linhas gerais
  • digital storytelling: como a história será interativa
  • desenvolvimento: ferramentas e plataformas
  • digital design: id. visual, iconografia, usabilidade, elementos gráficos
  • UX: projeto/ ferramentas/ hierarquias de informação
    • wireframes (rascunho de estrutura)
    • mapa de navegação (importância/ caminhos): tags, ícones
    • design de interação
  • tema/ problemática/ equipe/ período/ atuação/ conteúdo
Pensando o Centro
  • processos de remoção dos elementos negros do centro - e os movimentos de resistência
  • Tebas, construtor negro alforriado
  • coletivos de catadores e estruturas femininas
  • Vale do Anhangabaú: fonteira entre centros novo e velho
  • pólo de lixo, concentração de população de rua, equipamentos públicos de saúde e cuidados

domingo, 3 de dezembro de 2017

Diário de bordo de Caio Jade #2

03/12/2017

“Somos (...) imortais mesmo que em memórias esquecidas” - Baco Exu do Blues.

Quando eu nasci, ela já era velha. Carregado pra dentro da casa, nos teus braços de imperatriz, eu pequeno soldado; “essa é a tua casa. seja bem-vinda, Jade”. Ela cuidou de mim, cuida. Nas orações, no pensamento, no dinheiro da pensão do marido, avô falecido logo antes do meu nascimento, mecânico (sempre asseando as unhas e dedos pra não ficar cheio de graxa), ela me mira e olha e me aceita, eu assim menino aos 25 anos de idade. “Agora é filho então? meu Cainho, meu Caio. Vai ser pra sempre minha Jadinha”. Toda doçura, mimo e amor de vó. Avó é fundamento, é a ponte pro mundo onde aprendo o que pode ser a responsabilidade, a honra e a gratidão; viver no mundo se torna um pouco mais fácil quando passo a ouvir o que os mais velhos têm a nos dizer; agora eu entendo. Ela deu sua vida aos outros. Magrinha e fraquinha, agora é ela quem pede por carinho, mimo, atenção quase total. É a demanda da velhice, essa segunda infância, mas plena de experiência; é corpo que transborda não mais de potência, como nos pequenos, mas de plenitude e realização de si mundo. Ali o desejo ainda pulsa, nunca para; remói, remonta e atualiza, busca caminhos possíveis, busca suportar o presente de velhice e de impossibilidade motora, impossibilidade de bem estar emocional atual. Helen Puosso Cardoso Gouveia. Algumas filhas invejam o Puosso quem não têm no nome, outras se gabam por ter. Menina pobre do interior do estado de São Paulo, Birigui. Conheceu a fome, a mudança pra capital aos 9 anos de idade pra servir de empregada doméstica em troca de casa e comida a uma família. Filha de imigrantes italianos. Helen é fundamento, estrutura e assentamento. Firme de fé na Congregação Cristã do Brasil. Nascida em 1926 no dia 6 de dezembro, sagitariana. Em três dias, completará 91 anos. Minha avó, minha ancestralidade.


(...)


Tenho 25 anos, desses, 24 foram vividos impostos dentro de uma pele de cordeiro cisgênero e feminino. Criado como princesa, loiro, branco e de olhos claros, cabelos lisos, diferentes dos da mãe, comportamentos masculinos, mais masculinos que os da mãe -  bastante masculina para os padrões de uma mulher. Criança e adolescente que rompeu fronteiras da cisgeneridade, Trans então, como se diz. Queria dizer da sensação que é ter a si mesmo meio tarde, já não tão cedo quanto alguns podem ter. Perder uma família e conquistar uma nova mesma família na vida adulta. Hoje eu sou quem eu sempre quis ser e sou aos poucos reconhecido por eles. Tão tarde os conquisto e me vejo então em História e neles, como parte genética e histórica daqueles corpos tão vivos quanto eu, tão cedo percebo a possibilidade de perdê-los para o Tempo. Minha avó anda se encaminhando pro descanso disso tudo aqui. Me lembro da morte e dos anos que passei tão próximo a ela, ideando diariamente meu próprio fim. Três anos, então. Na lateral da coxa agora a dor e a libertação de todo mal passado. O sol que se abre, o vento que entra, o futuro possível. Me recordo da vida única, diferente de tudo que já provei, no beijo de língua em uma mulher de 80 anos de idade em uma cadeira de rodas performando sua própria morte - para fugir dela. Me recordo das mulheres velhas que me rodeiam e das quais agora me afasto em gênero, me constituindo como alteridade. Recordo as canções de Caetano, Chico, Elis, Milton, Luis Armstrong, Bob Dylan, Mercedez Sosa que me fizeram o berço. Eu leãozinho ninado pelo embalo com tapinhas de minha mãe. Jorra tudo agora diante da preparação da leoa mais velha que logo caminhará em direção ao Sol, se distanciando da nossa manada, deixando nas nossas mãos a grande responsabilidade de dar continuidade ao seu legado de amor e de cuidar das nossas vidas por nós próprios, zelando nossos futuros.



                                    À Helen Puosso, fundamento e firmamento,
                                                           avó, mãe e esposa.

Pelos curranchinhos de galinha chupados, pelos novelas assistidas, pelo dramático jeito de se sentir no mundo; pela fé inabalável, pelo conhecimento firme de que a gente nunca anda só quando tem fé no coração.