domingo, 19 de novembro de 2017

Produção do livro independente

Oficina realizada de outubro a dezembro de 2017 com Fábio Mariano, na Oficina Cultural Oswald de Andrade.

Referências:
Livro arte
Laura Teixeira. Livros de imagens, oficinas de ilustração.
Poemóbiles, de Augusto de Campos de Julio Plaza. Livro objeto.
Boris Fatigati. Produção de livros acessíveis.
Adele Outteridge. Livros objetos criados com material reciclados.

Produção de livros
Aldo Manuzio: editor tipógrafo, livreiro.
Robert Bringhurst. Elementos do estilo tipográfico.
Milton Ribeiro. Planejamento visual gráfico.

Literatura
Celina CAstro. Santos de vento.

Papéis
Distribuidora VSP
Papel manilha ou capagê

Programas
Publisher do programa office


Registro de longo trajeto

Trajetos celulares, antes de um projeto, é um desafio artístico. Cerca de oito meses dedicados à aprender algo que é subjetivo, que não tem uma forma específica, um processo individual e também comunitário, construído como uma colcha de retalhos. Ás vezes, só depois do começo (ou do fim) de uma experiência posso perceber como tudo está interligado e compondo o sonho de me tornar uma artista melhor e mais consciente da minha própria criação. Como objeto final dessa experiência, temos uma websérie e quatro livros artesanais, e é sobre a produção impressa que tenho dedicado minhas pesquisas.

Em 2016, primeiro ano do projeto, as ideias ainda estavam cruas e sem forma, e ao longo dos quase 10 meses que pudemos nos dedicar a dar corpo físico e virtual à uma ideia escrita. Parte desse processo foi a produção de zines, publicações independentes pequenas e de baixo custo, com formatos que desafiam o leitor e proporcionam novas experiências de acessar literatura e imagem. Essa produção intensa deu margem à criação do selo Móri Zines, que também foi um passo em direção a profissionalização e difusão da produção do Chakumbolo (hoje formado por Caio Jade, Nubia Abe e eu, Luara Erremays). Sobretudo ao participar de feiras de publicação, pude perceber o impacto das nossas criações nas pessoas que interagem conosco. Mais do que isso, pude perceber que o contato com literatura e produções marginais, com temáticas que tocam os afetos, gera influência criativa em pessoas que não se sentem artistas e produtores de cultura, por não acessarem o mainstream.
Feira Dente, Brasília, março de 2017.
Estimulada pela oficinas oferecidas no Clube Escola Tiquatira, surgiu o Rexistências Fantásticas, oficina realizada em 7 encontros no Centro de Cidadania LGBT Arouche, em comemoração ao Mês da Visibilidade Lésbica. Nesse ciclo de oficinas, as participantes foram estimuladas a criar uma zine a partir da sua experiência de vida. Foi da maior importância estimular a escuta e a contação de histórias pessoais e íntimas como exercício criativo, e o processo de tornar a verbalização em produto impresso. Vários foram os recursos utilizados, e o trabalho ficou belíssimo. Foi uma dos desenvolvimentos profissionais proporcionados pelo programa VAI.

O curso Produção Gráfica, realizado no Senai Theobaldo de Nigri também financiado pelo VAI, foi fundamental para criar uma noção maior das possibilidades que a indústria gráfica oferece, além de conhecer ferramentas e programas importantes para a criação desses materiais de forma profissional. O contato com as máquinas - das mais antigas e manuais às mais modernas e tecnológicas, o manuseio de papéis, tintas e técnicas de enobrecimento ampliaram a visão restrita que ainda me parecia o todo: além da sulfite e do canson existe larga pesquisa em materiais visando resultados diferentes, incríveis. Ficou evidente também a necessidade de buscar conhecimento institucional a fim de poder criar além das minhas limitações de acessibilidade à tecnologias.

No projeto aprovado em 2017, o lugar confortável que foi construído no contexto das zines precisa ser revisitado com o objetivo de obter ferramentas e habilidades para desenvolver e imprimir livros, formato mais complexo e mais elaborado de publicação. Diferente da zine, que me instigou desejos de experienciar a produção pela minha própria investigação, os livros me fizeram procurar pelo aprendizado e a expansão de habilidades gráficas.

Em primeiro lugar, acredito que frequentar a Folhateria do CCSP, ateliê aberto de xilogravura e serigrafia, me possibilitou conhecer outras formas de impressões alternativas, que se apresentam como formas mais ricas de criar imagens em sequência. Ao longo de 2017 experimentei transformar ilustrações em matrizes de gravura, além de pesquisa sobre tintas, sobreposições e produção em série.

Foi nesse espaço que em outubro comecei o curso Bestiário e códice: o monstro na narrativa gráfica, com Helena Ariano. A partir de técnicas de linoleogravura, o grupo foi estimulado a criar um monstro para compor um bestiário, catálogo de monstros que eram usualmente impressos em gravura na Idade Média europeia. A aproximação com a xilo e a necessidade de me dedicar a uma pesquisa específica, monstros, desenvolveu habilidades como a procura por referências, experimentação de materiais sobre um mesmo tema e desenvolvimento de caderno de estudos. O curso acontecerá até dezembro.

Outro curso, Produção de Livro Independente, iniciado do ateliê de gravura e tipografia da casa de cultura Oswald Andrade com Fábio Mariano tem sido fundamental para começar a dar corpo aos projetos de livros artesanais. O objetivo é criar narrativa, forma e reprodução com recursos analógicos. Desde a criação de margens até escolha de fontes, ilustrações e criação de texto como experiência visual. O curso acontecerá até dezembro.

Sobre as maiores dificuldades de produção, certamente uma das principais é a dificuldade em agrupar de forma eficiente as referências pesquisadas como material de registro de processo. Fica ainda mais forte a necessidade de investigar plataformas virtuais e como usá-las de maneira acessível.

Conhecer idosas, reconhecer caminhos

Numa dessas tardes quentes que fez no nosso inverno, estava voltando para casa meio seca depois de encharcada de chuva atravessar a cidade pelo subterrâneo, levava na bolsa um conjunto de gouaches que me prometiam felicidades mil, e as frutas de dois reais a bacia que o moço vende na saída do metrô. Sempre que posso compro dele. Nunca pedi desconto, ele por sua vez me oferece uma bandeja a mais por metade do preço quase sempre; de sexta ele leva o aparelho de som, que toca reggae e brilha cheio de leds.
Naquele dia, o último lugar vazio era do lado dela. Me disse quais eram as suas frutas favoritas, os pés de planta que tinha no seu quintal, que suco era bom pra cada coisa. Disse que antes só tomava suco Tang e o médico proibiu, daí começou a fazer suco em casa mesmo. E não é só de laranja, não: de pepino, couve, manga, acerola. "Até de babosa dá pra fazer suco, sabia?". Agora nunca deixa de tomar os remédios, mas sabe que os sucos fazem muito bem, e se não fossem eles não teria a saúde que tem.
Me passou seu endereço, me disse para visitá-la com frutas, para a gente conversar e tomar sucos.

***

Enrolei o dia todo para ir ao mercado, e quando saio de casa já passa das 21h30, minha avó não gosta. Vou chegando ao mercado com o passo acelerado, subo a rampa desligada e quando estou quase no topo, percebo aquela senhorinha que não se aguenta em pé. Ofereço meu braço e companhia rampa abaixo, ela diz: "quero sim, hoje tô com as vertige".
Vai me contando, passinho de cada vez, que veio da Amador Bueno pra encontrar o sobrinho, mas ele deu o bolo. Depois de uma certa hora, fecha a saída de pedestres do mercado 24h, temos que entrar e sair pelo estacionamento. Os carros parecem não nos ver, vão tirando finas da dona Tininha que sentencia: "Melhor mesmo é ir pela rua que eles não vão ter coragem de passar por cima". Desiste de esperar o sobrinho, e a acompanho até o ponto de ônibus. Ela insiste que é velha, que pode ir sozinha e minha avó me espera em casa.
Me despeço, ela me abraça com os braços envolta do meu pescoço. Pergunta: "você acredita em trevo de quatro folhas?" digo que sim, ela abre a pochete, tira um saquinho e diz: "pega um aqui. Você bota ele num saquinho dentro da carteira". Pergunto se ela tem telefone: "o meu eu não lembro não, mas é só ligar no segundo batalhão [da PM] e perguntar pela Ti-ni-nha. Todo mundo me conhece lá".

***

Tenho aproveitado as tardes existenciais e a internet sem limites para ouvir videos motivacionais no Youtube. Uma mensagem que tem se repetido é a seguinte: "o que você busca está buscando por você". Às vezes me pego idealizando o objeto da minha procura quando sei que só é necessário abrir os olhos e ouvidos para as pistas que os caminhos dão, e desde o começo desse projeto, em 2016, aprendi a abrir minha percepção para mulheres idosas, suas preocupações e ensinamentos. Sejam sucos, trevos de quatro folhas ou a importância da fé em Deus. Pouco importa qual é a narrativa, mas importa que elas narrem, tenham vontade de falar, e que se proponham a abrir suas vidas e saberes a uma estranha no caminho, alterando meu corpo no mundo, trajetos celulares.