domingo, 19 de novembro de 2017

Registro de longo trajeto

Trajetos celulares, antes de um projeto, é um desafio artístico. Cerca de oito meses dedicados à aprender algo que é subjetivo, que não tem uma forma específica, um processo individual e também comunitário, construído como uma colcha de retalhos. Ás vezes, só depois do começo (ou do fim) de uma experiência posso perceber como tudo está interligado e compondo o sonho de me tornar uma artista melhor e mais consciente da minha própria criação. Como objeto final dessa experiência, temos uma websérie e quatro livros artesanais, e é sobre a produção impressa que tenho dedicado minhas pesquisas.

Em 2016, primeiro ano do projeto, as ideias ainda estavam cruas e sem forma, e ao longo dos quase 10 meses que pudemos nos dedicar a dar corpo físico e virtual à uma ideia escrita. Parte desse processo foi a produção de zines, publicações independentes pequenas e de baixo custo, com formatos que desafiam o leitor e proporcionam novas experiências de acessar literatura e imagem. Essa produção intensa deu margem à criação do selo Móri Zines, que também foi um passo em direção a profissionalização e difusão da produção do Chakumbolo (hoje formado por Caio Jade, Nubia Abe e eu, Luara Erremays). Sobretudo ao participar de feiras de publicação, pude perceber o impacto das nossas criações nas pessoas que interagem conosco. Mais do que isso, pude perceber que o contato com literatura e produções marginais, com temáticas que tocam os afetos, gera influência criativa em pessoas que não se sentem artistas e produtores de cultura, por não acessarem o mainstream.
Feira Dente, Brasília, março de 2017.
Estimulada pela oficinas oferecidas no Clube Escola Tiquatira, surgiu o Rexistências Fantásticas, oficina realizada em 7 encontros no Centro de Cidadania LGBT Arouche, em comemoração ao Mês da Visibilidade Lésbica. Nesse ciclo de oficinas, as participantes foram estimuladas a criar uma zine a partir da sua experiência de vida. Foi da maior importância estimular a escuta e a contação de histórias pessoais e íntimas como exercício criativo, e o processo de tornar a verbalização em produto impresso. Vários foram os recursos utilizados, e o trabalho ficou belíssimo. Foi uma dos desenvolvimentos profissionais proporcionados pelo programa VAI.

O curso Produção Gráfica, realizado no Senai Theobaldo de Nigri também financiado pelo VAI, foi fundamental para criar uma noção maior das possibilidades que a indústria gráfica oferece, além de conhecer ferramentas e programas importantes para a criação desses materiais de forma profissional. O contato com as máquinas - das mais antigas e manuais às mais modernas e tecnológicas, o manuseio de papéis, tintas e técnicas de enobrecimento ampliaram a visão restrita que ainda me parecia o todo: além da sulfite e do canson existe larga pesquisa em materiais visando resultados diferentes, incríveis. Ficou evidente também a necessidade de buscar conhecimento institucional a fim de poder criar além das minhas limitações de acessibilidade à tecnologias.

No projeto aprovado em 2017, o lugar confortável que foi construído no contexto das zines precisa ser revisitado com o objetivo de obter ferramentas e habilidades para desenvolver e imprimir livros, formato mais complexo e mais elaborado de publicação. Diferente da zine, que me instigou desejos de experienciar a produção pela minha própria investigação, os livros me fizeram procurar pelo aprendizado e a expansão de habilidades gráficas.

Em primeiro lugar, acredito que frequentar a Folhateria do CCSP, ateliê aberto de xilogravura e serigrafia, me possibilitou conhecer outras formas de impressões alternativas, que se apresentam como formas mais ricas de criar imagens em sequência. Ao longo de 2017 experimentei transformar ilustrações em matrizes de gravura, além de pesquisa sobre tintas, sobreposições e produção em série.

Foi nesse espaço que em outubro comecei o curso Bestiário e códice: o monstro na narrativa gráfica, com Helena Ariano. A partir de técnicas de linoleogravura, o grupo foi estimulado a criar um monstro para compor um bestiário, catálogo de monstros que eram usualmente impressos em gravura na Idade Média europeia. A aproximação com a xilo e a necessidade de me dedicar a uma pesquisa específica, monstros, desenvolveu habilidades como a procura por referências, experimentação de materiais sobre um mesmo tema e desenvolvimento de caderno de estudos. O curso acontecerá até dezembro.

Outro curso, Produção de Livro Independente, iniciado do ateliê de gravura e tipografia da casa de cultura Oswald Andrade com Fábio Mariano tem sido fundamental para começar a dar corpo aos projetos de livros artesanais. O objetivo é criar narrativa, forma e reprodução com recursos analógicos. Desde a criação de margens até escolha de fontes, ilustrações e criação de texto como experiência visual. O curso acontecerá até dezembro.

Sobre as maiores dificuldades de produção, certamente uma das principais é a dificuldade em agrupar de forma eficiente as referências pesquisadas como material de registro de processo. Fica ainda mais forte a necessidade de investigar plataformas virtuais e como usá-las de maneira acessível.

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